A partir de 1950 as instalações da Cadeia do Forte de Peniche foram objecto de profunda remodelação. O edificado actual, onde está a ser instalado o Museu Nacional Resistência e Liberdade, é o resultado da reconstrução do espaço carcerário que vinha dos anos 30 do século XX, quando ali foi instituído o Depósito de Presos de Peniche sob a alçada da PVDE. Após o 25 de Abril os pavilhões prisionais, com particular relevância para o Pavilhão C, sofreram modificações na sua estrutura que, não sendo muito significativas, alteraram a percepção do espaço prisional construído nos anos 50 com projecto do arquitecto Rodrigues Lima. São essas transformações e adaptações que o espaço prisional sofreu que, pretendemos assinalar neste artigo para melhor compreensão e memória futura.
Acerca do tipo de castigos e os locais usados na Fortaleza Militar de Peniche onde eram praticados, é importante saber onde se localizavam e, para memória futura, fazer o seu mapeamento. Passados que são 47 anos sobre o 25 de Abril de 1974 e a libertação de todos os presos políticos na madrugada de 27 de Abril, com o posterior encerramento da prisão, importa, pois, recorrer ao testemunho dos presos políticos e ao confronto com outras fontes, confirmando-se, deste modo, que as celas disciplinares eram locais de tortura e sofrimento, onde tinha lugar a violência física e psicológica exercida pela polícia política PVDE/PIDE/DGS sobre os resistentes antifascistas. Na prisão de Peniche, elas funcionaram em diferentes dependências da Fortaleza Militar. É a identificação e caracterização desses locais que aqui procurámos mapear.
Rosalina Carmona
A Polícia Internacional de Defesa do Estado – PIDE – foi criada pela ditadura fascista em 22 de outubro de 1945. A sua principal função foi a repressão política, a perseguição, a prisão, a tortura e até a eliminação física daqueles que o regime de Salazar e Caetano considerasse opositores ou inimigos.
Tornando-se o principal esteio do regime fascista, a PIDE, contou com inúmeros mecanismos repressivos, com que justificava o exercício legal da violência pelo Estado.
O uso das mais bárbaras torturas nas cadeias fascistas era prática corrente das polícias políticas nos interrogatórios aos presos, tanto em homens como em mulheres. A PIDE detinha poderes plenos e uma autonomia praticamente total para prender, torturar, arrancar confissões e até matar.
O que ressalta da leitura deste documento é um completo controlo da liberdade de expressão e uma total ausência de direitos. As sansões e castigos podiam ir da proibição de visitas e receber correio até sete dias; prisão em cela disciplinar a pão e água e regresso a um período anterior ao da execução da pena, entre outros aspetos bastante gravosos para os presos políticos. Este documento revela, pois, muito do quotidiano da vida dos prisioneiros políticos de Peniche, permitindo uma visão mais aproximada daquele universo carcerário repressivo.
A URAP entregou ao Museu Nacional Resistência e Liberdade – Fortaleza de Peniche, um conjunto de peças de grande significado composto de documentos, objetos e testemunhos, na sua grande maioria pertencentes a antigos presos políticos do Campo de Concentração do Tarrafal. Neste conjunto o que mais impressiona, pelas emoções que desencadeia, é um álbum de fotografias realizadas quando Herculana Carvalho, mãe do prisioneiro Guilherme da Costa Carvalho, num gesto de extraordinária coragem e resistência desafiou o regime fascista e foi visitar o filho ao Campo de Concentração do Tarrafal. Herculana Carvalho foi a única visita que os prisioneiros do Tarrafal alguma vez receberam. No regresso ao continente, junto com o seu companheiro Luís Alves de Carvalho, percorreram o país visitando os familiares dos presos para lhe levar notícias e lembranças dos seus entes queridos enviados por Salazar para o “Campo da Morte Lenta”.
Este artigo aborda alguns aspetos do regime prisional em Peniche antes da construção da cadeia de alta segurança, entre os anos de 1937-1950. Do relatório de uma inspeção à cadeia em 1950 ressalta que o regime prisional era demasiado rígido e ríspido, que a direção da cadeia adotara medidas e restrições excessivas e muito duras, não cuidara de dotar as instalações com o mínimo de condições indispensáveis para a vida diária dos presos, efetuava cortes nas despesas em alimentação, no fornecimento de roupas e produtos de higiene como o sabão, cortava nas despesas com a saúde dos presos, excedia-se nos castigos extremamente severos.
Por esta altura, no início da década de 1930, em Peniche vivia-se um ambiente concentracionário onde habitavam – ainda que temporariamente – cidadãos portugueses sitiados, especialmente uma certa oficialidade militar de patente mais baixa, que se encontrava sob um sistema de vigilância social semelhante à deportação, mas em território nacional. Simultaneamente, Peniche era, também, um lugar de conspiração e resistência contra a política ditatorial vigente.