Rogério Sousa Miranda

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“Quando me foram prender, tocaram à campainha e disseram que era um telegrama.”

Rogério Sousa Miranda

Registo geral de presos: 28.621

Preso em 28/07/1971 por atividades contra a segurança do Estado.

Em 06/12/1972 foi transferido da cadeia de Caxias para a do Forte de Peniche.

Solto em 28/01/1972 por ter terminado a pena.

 

“Em casa da minha mãe, era eu ainda muito jovem, já recebia o Avante! e a minha mãe escondia-os no cano do bidé para a PIDE não os encontrar caso fossem revistar a casa.

Por isso, em 1971, à cautela, limpei a minha casa quando tive suspeitas de denúncia. Um dia em que eu estava a trabalhar apareceu um sujeito a tocar à porta da minha casa e a minha mulher atendeu. Ainda hoje não sabemos se era alguém para me avisar que podia ser preso ou se era algum PIDE.

Eles (PIDE) entravam nas casas à bruta. Quando me foram prender, tocaram à campainha e disseram que era um telegrama. Entretanto ouvi a minha mulher a falar muito alto e fui ver. Perguntaram por mim. Quando me virei para a porta já eles estavam de pistola em punho. Disseram-me: ‘Quietinho, portas-te bem. Nós somos da DGS e tens de nos acompanhar.

Perguntei-lhes pelo mandato de captura e um vira-se para trás para o chefe de brigada e diz: ‘Ó Chefe, este quer brincadeira!’ como se fosse uma brincadeira uma pessoa perguntar onde é que está o mandato.

Depois foram ao quarto do meu filho e nós ainda não tínhamos a casa toda mobiliada, viram apenas o berço. Depois perguntou-me: ‘Onde é que está a catedral?’ que era a sala onde estariam os livros proibidos, mas como eu já tinha limpo tudo não encontraram nada. Virou-se então para o chefe e disse: ’os lenines e os marxes já cá não estão! Isso já desapareceu tudo.’ Acho que ainda levaram uns livros do Zeca Afonso com poemas.

Dali levaram-me diretamente para a António Maria Cardoso [sede da PIDE em Lisboa] onde tiraram as fotografias e isso. Depois fizeram-me uma partidazinha porque na mesma manhã em que eu fui preso foram presas diversas pessoas que eu conhecia. O Alfredo Henriques, que era capitão, tinha sido preso também e eles (PIDE) provocaram um cruzamento entre nós dois numa escada em caracol no interior da sede. Mas quando nos cruzamos eu desviei a cara e o Alfredo também, com eles a observar. Queriam ver qual era a nossa reação.

Na António Maria Cardoso meteram-me numa cela com 1m X 1m com uma porta chapeada e eu, que estava debaixo de uma tensão tremenda, comecei a ficar com falta de ar. Eu sentava-me e tinha logo a porta em frente à cara. Comecei a bater à porta. Veio um guarda e perguntou-me o que se passava. Respondi: “Está-me a faltar o ar. Tirem-me daqui. Não me estou a sentir bem”. Respondeu-me o guarda: ‘Vais ter muito que esperar!’

Prisão de Caxias

Houve torturas de sono durante os interrogatórios em Caxias. A primeira coisa que me fizeram foi tirar os óculos e o cinto e fiquei fechado numa sala até me chamarem para os interrogatórios. Às vezes ia às duas da manhã, outras vezes ia de madrugada. O nosso terror é que havia tipos que vinham dos interrogatórios altamente espancados. E durante toda a noite havia uns cães lá em baixo num pátio que ladravam imenso cada vez que chegavam presos ou que vinham buscar presos para os interrogatórios. Ouvíamos os cães a ladrar, mas também ouvíamos pessoas na rua gritar “bandidos!”

No meu primeiro interrogatório em Caxias cheguei à sala e deixaram-me em pé. O chefe de brigada, Inácio Afonso, passava por detrás de mim com um dossier nas mãos. À segunda vez que passou por detrás de mim com o dossier aberto disse-me: ‘O Camarada Rafael pode-se sentar’. Era o meu pseudónimo. E eu fiquei em pé. Ele passa outra vez e para mesmo atrás de mim e diz-me de novo: ‘Eu disse para o camarada Rafael se sentar’. E eu, como ele estava mesmo atrás de mim, virei-me para ele e disse: “Mas eu não me chamo Rafael. Eu sou Rogério.” E zás com o dossier e lá voaram os óculos! Ele usava um anel daqueles com uma pedra e aquilo magoava imenso.

Visitas

Numa das visitas da minha mulher a Caxias, quando nos autorizaram uma visita em comum, passei-lhe uma mensagem. O Partido mandou-me a mensagem toda enroladinha em papel de mortalha e eu levava aquilo entalado na boca e quando nos beijamos passei-lhe o rolinho com a mensagem.

Cadeia de Peniche

Quando me trouxeram para a prisão de Peniche o guarda perguntou-me para onde é que eu queria ir. Eu respondi: Eu quero ir ali para o pavilhão A, porque eu já sabia quem estava lá preso. Ele respondeu: ‘Ah! Queres ir para o pé dos camaradas, não é? Está bem, é boa ideia. Vais para o pé dos camaradas, tiras o curso na universidade e daqui por uns tempos nós voltamos a deitar-te a mão.’

Maria Jocelina Miranda (mulher de Rogério Miranda)

“Fiz a minha carreira como enfermeira chefe. Trabalhava em oncologia e o meu marido estava preso na altura, mas eu tinha de fazer a minha vida normal. Havia um grupo de enfermeiras com quem almoçava no refeitório. Uma delas tinha um irmão que trabalhava na secretaria e que também ia almoçar connosco. Era um homem muito simpático, muito calado, muito sossegado.

Depois do 25 de Abril vim a saber que esse irmão era informador da PIDE. Eu é que não era uma pessoa de falar muito e comentar que o meu marido estava preso. Eu hoje até penso que a irmã nem soubesse.

Quando a PIDE lá foi a casa para prender o meu marido, o meu filho tinha seis meses de idade e estávamos casados há um ano. Eu tinha o bebé no berço, eles chegaram logo cedo, pelas seis da manhã. O meu marido suspeitava que pudesse ser preso, porque já tinham sido presos amigos dele pertencentes à mesma célula e já andava há uns tempos a tirar livros de casa.

Eu penso que o grande drama de um jovem preso com 28 anos, que deixa uma mulher casada há um ano e um filho com seis meses, com uma casa por pagar, é que não é ele sozinho que está envolvido! Tem um peso terrível. Eu só chorava. Peguei no meu filho, fechei a minha casa de Queluz e fui para casa dos meus sogros. Não podia ficar sozinha.

Vim várias vezes à visita em Peniche, ao Parlatório. As nossas conversas no parlatório eram sempre fictícias. Inventávamos histórias.

Já passaram tantos anos! Eu vinha aqui em 1971 (à visita) e ainda hoje choro e comovo-me. Eu estou nervosíssima e emocionada. Quando ele fala nestas coisas, eu não gosto.

Peniche, 18 de setembro 2019

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